Hélder de Carvalho
Hélder José Teixeira de Carvalho was born in Carrazeda de Ansiães (Trás-os-Montes).
He graduated in Fine Arts from Faculdade de Belas Artes do Porto.
Pursues his artistic activity with predominance in the field of sculpture.
He participated in several solo and group exhibitions. Among them:
Biennial of Art V.N. Cerveira (1982 and 1984);
National Exhibition of Outdoor Sculpture - Ministry of Culture, Oporto;
Biennial Sculpture and Drawing Amadora (1988 and 1990);
Biennial of Sculpture and Design of Caldas da Rainha (1987 and 1989);
Solo Exhibition of Sculpture at the Fundação António de Almeida (1997), Oporto;
Solo Exhibition of Sculpture at the Cooperative "Árvore" (1995), in Porto.
Concurrent to his art production, he has worked as a teacher of visual arts and completed a masters course in "Art Craft and Design" from the University of Roehampton, London in 2005.
TARAS SHEVCHENKO - AMAR A VIDA E A LIBERDADE
Da arte e dos artistas, poder-se-á analisar com objetividade a importância e o significado da mensagem que a sua obra nos deixa.
A reflexão que trago resulta em exclusivo da minha experiência afetiva ao conhecer este símbolo maior da tradição e cultura do povo ucraniano que foi Taras Shevchenko (T.S.). O que aqui me inspira é recordar o sentimento profundo de comoção que experimentei na tarefa de o representar, modelado em barro.
Se para T.S. a arte foi o seu próprio sangue a pulsar, também para mim, da cabeça ao coração, passou a centelha de luz condutora das sensações que me levaram à sua descoberta.
A razão fui buscá-la, sobretudo, onde sabia encontrar dos mais ricos e sagrados patrimónios - na tradição da escultura, cujo ofício faz perdurar a imagem dos heróis e génios da história de um povo.
Numa apreciação generalista, pude descrever as representações escultóricas que retratam Taras Shevchenko, como documentos históricos e consequentemente educativos. A sua implantação, predominantemente em espaço público, pareceu-me destiná-las, primeiro que tudo, à evocação e rememoração do personagem. Confio que muitos destes projetos resultaram de efemérides e hábitos comemorativos, comuns em toda a parte. Neste sentido poderá dizer-se que, cada uma das obras desempenha ainda hoje, um papel ideológico, ao passar uma mensagem civilizadora e patriótica. Efetivamente não existe obra de arte que seja totalmente desprovida de conteúdo ideológico.
Não esqueçamos contudo que, a arte se afirma como um meio de aproximação espiritual dos homens entre si. Este terá sido quiçá um dos focos de excelência da obra de T.S. para quem, quanto mais elevado foi o seu sentimento expresso, mais a sua obra propiciou as relações espirituais entre os homens.
Caberá aqui lembrar a influência da literatura e da arte ocidental no leste europeu, naquele período Imperial em que viveu T.S. e citar por exemplo Baudelaire, seu contemporâneo que, numa publicação datada de 1852 assumia, já influenciado pela revolução de 1848 em França, que a arte deve ter um objetivo social (“A Salvação Pública” – Jornal). Nesse sentido foi igualmente Puchkine, também ele contemporâneo dos dois, ao valorizar a importância do valor utilitário da arte.
Malgrado as profundas transformações conceptuais sentidas a partir do início do Séc. XX com a arte contemporânea, sempre perduraram matrizes classicizantes como proposta válidas de expressão. Não é por acaso que ainda hoje o realismo é considerado a forma de arte que corresponde mais convenientemente às relações sociais, constituindo norma a usar. Efetivamente o cariz da representação do retrato garantiu sempre soluções expressivas da interpretação realista, maioritariamente inteligíveis do que por exemplo, interpretando o retrato na base de tendências abstratizantes.
Ao longo da pesquisa realizada foi sobretudo evidente uma doutrina da arte utilitária, acomodada talvez mais a um espirito revolucionário, a prevalecer sobre um espirito conservador. Constante porém, foi sempre a fixação do interesse vivo e ativo dos criadores pela figura do retratado. E mesmo perante o desagrado muito pontual de uma ou outra representação, também nesses exemplos pude aprender.
Caberá aqui anotar um aforismo que muito valorizo, e que diz: -“ A experiência do fracasso ilumina”.
Posso pois testemunhar, sobre as características sempre presentes, que em cada obra de arte relevam para os componentes estéticos, onde cada autor, na sua propensão pessoal, transmite em forma, para a apreciação de todos.
Ora, na expressão austera ou na completa serenidade, senti nas obras estudadas, a força, a paixão e o arrojo de muitos dos autores. Perscrutei o seu sentido de observação, que levou alguns tão próximo do limite de expressão da energia que transborda do rosto de T.S., observando em comparação por exemplo, as fotografias que chegaram até nós.
Importa também sublinhar a apreciação do primoroso retrato a óleo de Taras Shevchenko pintado por Ivan Yizhakevych e datado de 1871. A proximidade da data da execução da pintura da morte de T.S. (10 anos antes) deve levar-nos a apreciá-la com atenta confiança, pois para além da excelente execução, com nítida influência romântica, é admirável a observação dos traços caraterísticos do retratado. Observa-se em pose digna uma figura já madura, de olhar sereno mas penetrante.
Àquele olhar de visionário que outros tentaram depois representar, acrescentemos a particularidade do bigode e as características da indumentária a significar a importância da tradição identitária, à época.
Finalmente, menciono os exercícios que o próprio T.S. realizou de autorretrato. Esses constituem a expressão autêntica e verdadeira do modo como o próprio se viu, e observou, e nos confessou o seu testemunho. O facto de estes trabalhos datarem do período da sua juventude mereceu mesmo assim a justa atenção de muitos dos que o representaram depois. Não foi o meu caso.
Assim, na imaginada conceção e na criação de muitas das obras observadas, confirmei que estas atingiam aquela austeridade e força de presença, que tornam a escultura a arte por excelência, severa e humana, silenciosa e imponente, que domina e cala, pela gravidade sóbria da emoção.
Apreciadas as ideias, o espírito, o estilo e a originalidade de tantos e tão fecundos artistas que por todo o mundo vêm, multiplicando com paixão a imagem deste símbolo maior, havia então de ser a minha vez.
E se a arte é uma verdade humana, um dom e um sentido de cada autor, a oportunidade era agora minha, para visionar, imaginar e finalmente me exprimir.
Nos meus exercícios conceptuais, as mais fantásticas ideias e as mais originais descobertas, traduzo-as com simplicidade, que se estende ela mesma aos processos. A arte é um privilégio simples ainda que eu a defina com paixão.
E todos os desafios são belos desde que compreendidos com entusiasmo.
Devo enfrentá-los a sério, pela vertente mais característica e verdadeira.
Devo saber dignificá-los com a minha interpretação, transfigurá-los sem os desfigurar.
Permanentemente insatisfeito e inconformado sossega-me contudo o resultado desta obra.
Nesta obra estão contidas as emoções, as ideias e simbolismo que procurava.
Descanso assim sem desassossego nem angústias, numa comovente quietação, sonhando o perseguidor da liberdade que foi Taras Shevchenko.
Os mortos não morrem enquanto são recordados. A justiça do tempo é a glória.
Um artista ao realizar a sua obra multiplica o tempo e aumenta o mundo. Revive e revivifica.
Assim terá refletido Taras Shevchenko rememorado com símbolo e modelo da cultura universal e, exemplo de amor à liberdade e às raízes da cultura ucraniana.
HELDER DE CARVALHO, Março de 2020